Parte da equipe do Pan Kids, realizado em Carson, Califórnia, EUA (Foto: Divulgação)
Dia 16 de fevereiro, em Carson,
na Califórnia (EUA), uma equipe de seis lutadores de jiu-jitsu do estado de
Roraima entra para a história do esporte local com a inédita conquista de
quatro medalhas no Pan Kids,
um dos principais campeonatos da arte suave no
mundo, promovido pela International Brazilian Jiu-Jitsu Federation
(IBJJF). As
crianças: Enzo Botinelly (ouro); Cauê Caresto (prata); Cauet Bekel
(bronze) e
Cauã Caresto (bronze) representaram a academia Gracie Humaitá. Os primos
Gabriel e Samuel Xaud lutaram, porém não subiram ao pódio.
Em
meio à recepção, aos abraços
dos pais e amigos, a exposição na mídia revelou: um destes lutadores já
havia
vencido um dos piores adversários possíveis, dos mais 'cascas grossas'
no tatame
da vida. O campeão panamericano Kids de Jiu-Jítsu, Enzo
Botinelly, de oito anos, que lutou na faixa cinza na categoria mirim 3,
peso leve, enfrentou, quando tinha quatro anos, um linfoma, que tem
origem no sistema linfático, responsável pela produção de células de
imunidade. A vida ganhou outro caminho,
outra cor.
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01
Primavera: Nascer do sol
A espera de Enzo, preparativos para o futuro campeão do Pan Kids (Foto: Divulgação)
Enzo Botinelly Rodrigues nasceu em
12 de setembro de 2005, em Boa Vista (RR). Filho de Marcela Botinelly e Elton
Castro, o festejado primogênito já chegou com o 'DNA' do Jiu-jítsu. Elton é faixa
preta pela Gracie Barra, com cerca de 20 anos na arte suave.
O
acompanhamento e crescimento do
filho seguia o curso esperado, com rotinas próprias de crianças, com
compromissos 'sérios' de brincar, jogar bola, correr e ser feliz. Enzo
se inclinou
naturalmente para os esportes, encarados de forma lúdica, sem pressões
por
resultados.
Apaixonado por futebol, as lembranças em família revelam que o pequeno
foi com os pais prestigiar o Flamengo, em pleno Maracanã, vencer o Botafogo na
final do Carioca 2008. Aproveitou as férias em família. Uma vida normal. O
pequeno seguia neste caminho até os quatro anos de idade.
Elton, Enzo e Marcela antes do diagnóstico (Foto: Divulgação)
02
Outono: caem as folhas
Em 2009, por volta dos quatro anos de idade, Enzo foi diagnosticado
em Boa Vista (RR) com linfoma. Após o choque da
notícia, vem a necessidade de uma atitude, como conta o pai de Enzo, Elton Castro.
- Nunca tivemos um caso deste na família, era algo novo. Procuramos
apoio para iniciar o tratamento junto aos amigos. Tivemos que abrir mão de
nossos compromissos, do trabalho. Foi uma mudança total, pois saímos de Boa
Vista para Brasília com o propósito único de acompanhar o tratamento de Enzo -
disse.
Em Brasília, a equipe
médica refez o diagnóstico e assim estava à frente de Elton e Marcela um
adversário que precisaria de paciência, fé e dedicação para ser vencido. Eles
não estavam sozinhos.
À época, Elton raspou a cabeça para ficar parecido com o
filho. Durante as sessões de quimioterapia, tentou minimizar o ambiente de
tratamento de Enzo com sintonia familiar e doação. Todo esforço que
trouxesse lembranças, momentos positivos e alegres eram bem vindos.
Família Botinelly durante o tratamento de Enzo, detalhe da 'careca' do pequeno guerreiro (Foto: Divulgação)
- Queríamos que ele entendesse que aquilo era passageiro,
era apenas algo a ser vencido com o tempo e logo voltaríamos para casa. A
reação ao tratamento surpreendeu a todos, Enzo passava com otimismo pelas
sessões de quimioterapia. Às vezes, ao terminar uma sessão, ele
queria uma bola para brincar. Em nenhum momento ele disse que não queria ir
para o hospital, pois lá ele seria todo furado com agulhas. Ao contrário. Em dia
de sessão, ele colocava o boné e dizia: 'Estou pronto, vamos'. É um espírito de
muita energia e maturidade. Ao encarar o tratamento de 'cabeça erguida', muitas
das vezes ele ia até nós para dar uma força. Ele não
dificultava, ao contrário, nos ajudava. Ele foi fundamental - revela o pai.
03
Inverno: céu pesado. Ao que dar valor?
Forte tempestade. Uma batalha se apresentava. Uma busca por alívio para um tratamento que
vem pela dor. A quimioterapia consiste em injeções intravenosas, em que há
efeitos colaterais como a queda da imunidade e febres. O tratamento complexo
foi enfrentado de forma altiva pelo lutador Enzo Botinelly. Elton expõe o impacto do acompanhamento junto ao filho.
Enzo aos seis anos, dois anos após vencer a luta contra o Linfoma (Foto: Divulgação)
-
Choramos juntos, tivemos medo, sofremos em muitos
momentos, mas nunca desacreditamos que iria passar e que daria certo. Eu
estava acompanhando os médicos, lia os protocolos. Quando faziam uma
intervenção,
estava do lado dando uma força. Quando não era hora das injeções, dores e
remédios, estava jogando videogame, brincando
com ele - expôs.
Enzo seguia uma rotina de idas diárias ao hospital. As
internações aconteciam em momentos de intercorrência, como gripes e febres,
devido à quimioterapia. Durante o ano de 2009, as famílias se revezavam
no acompanhamento do pequeno. Alguns amigos iam de Boa Vista (RR) para
Brasília (DF) visitá-lo.
À época do tratamento, Elton pensou
em desistir do mundo da arte
suave. Pensamento remediado pelo
professor Pedro Galiza [lutador de jiu-jitsu e MMA], que constituía
academia em Brasília. A circunstância de ter um filho enfrentando um
forte 'adversário' motivou profunda
reflexão no pai. Ao que dar valor?
- Eu estava desistindo do esporte, mas o professor Pedro Galiza me
convenceu a treinar novamente. Disse que seria uma válvula de escape
para o que estava enfrentando. Estava formado em direito. Tinha o sonho em ser
um delegado da Polícia Federal, tinha essa cobrança de ter 'status profissional'.
Depois te ter passado o que passei com o Enzo, eu pedia a Deus apenas para ser
um bom pai. Não tinha mais grandes
ambições ao ponto de colocar meus interesses acima da minha família.
O tratamento durou mais de um ano até a remissão total da
doença. O detalhe que fez a diferença foi a sagacidade e desprendimento de
Enzo em encarar o problema. Envolvido nos altos e baixos na luta contra o linfoma, não deixou o espírito esmorecer. Ele
fez um bom combate.
04
Verão: Ele foi além, rumo a Califórnia
O 'pequeno guerreiro' comemora muito ao tornar-se campeão do Pan Kids 2014(Foto: Divulgação)
Aos cinco anos e meio, Enzo volta para Boa Vista (RR). Com o
tratamento concluído, teria apenas que manter um monitoramento junto aos
médicos. Em 2010, retorna a Brasília (DF), para fazer uso de medicações
orais. Desde então, vai de três em
três meses para a Capital Federal. Atualmente o intervalo para verificação é a cada semestre.
A readaptação e mudança do estilo de vida começam em 2011. Enzo inicia os treinos no jiu-jitsu.
Elton queria para o filho um escape emocional e físico para esquecer a dura
rotina do tratamento,
além de buscar uma ressocialização do filho. O menino entra na escolinha do
Flamengo e dá vazão a uma de suas paixões: o futebol.
- Pedi permissão dos médicos para colocá-lo em contato com
atividades físicas, pois na minha cabeça o esporte seria um dos fatores para
a recuperação. Pensei tanto nos esportes coletivos para interagir com
outras crianças quanto em um individual. Então, ele foi jogar futebol e
também o coloquei para treinar Judô, com o professor Paulo Sérgio.
Em 2012, Enzo já participava de campeonatos de Judô e se
reunia com amigos para treinar também jiu-jitsu. Porém, a identificação com o
pano vem com a vitória de Elton no Roraima Open, realizado em julho daquele
ano. O 'espelho' paterno foi referência.
- Enzo é um guerreiro nato. Sua
principal característica é a humildade. A tranquilidade de enfrentar os
momentos difíceis de uma forma equilibrada e tranquila. Sempre com muito humor.
Nos momentos difíceis de dor, dificuldades e desespero ele está sempre lá
sorrindo e confiante de que aquilo ali será passageiro - disse Elton.
05
O início nas competições da arte suave
A estreia de Enzo em competições foi na Copa
Macuxi, realizada em outubro de 2012. À época, lutava Judô, mas o Jiu-jitsu
seduzia cada vez mais o pequeno guerreiro. Na primeira competição, vence
Caue Bekel na final e torna-se campeão. Enzo não parou e ainda disputou o Campeonato Roraimense e a Copa Kids.
Luta na semifinal contra Nickolas Luna (Charles Gracie Academy) (Foto: Divulgação)
O próximo desafio seria a próxima edição do Roraima Open,
que aconteceu em março de 2013, quando a equipe do professor Marcelo
Caresto estreou em campeonatos.
- A equipe de Roraima que foi ao Pan Kids começou nos
treinos, com seis atletas numa rotina
de treinos. No Roraima Open de 2013, todos as crianças subiram ao pódio, e Enzo
foi prata ao perder para Rafael Hipólito Júnior, um dos fenômenos do
Jiu-jítsu no Amazonas. Com a derrota para Rafael, Enzo desperta para as
competições.
A ideia para levar Enzo ao panamericano surge nas férias da família, em outubro de 2013, quando Elton leva Enzo para conhecer
a academia Gracie Barra, no Rio de Janeiro.
- Ele foi bem elogiado nos treinos com os garotos de lá, o coordenador disse que ele estava
muito bem, com bom nível técnico, disse que quando retornasse, iria
apresentar Enzo a outra academia, onde se encontravam os garotos que eram campeões
nacionais e internacionais.
06
A mobilização para o Pan Kids
Elton conta que faltando duas semanas para o embarque para
os Estados Unidos para disputar o Pan Kids, Enzo começou a apresentar pioras.
- Estava quase desistindo de ir, mas fui encorajado pelos
amigos e outros pais para não desistir. Só fui quando os médicos me disseram
que ele iria melhorar. Deu tudo certo.
Enzo ao conseguir o título de campeão panamericano mirin2014(Foto: Divulgação)
Com a definição de que os meninos iriam para o panamericano, os
pais e amigos dos atletas começaram uma mobilização para arrecadar dinheiro para
os atletas.
- Procuramos a imprensa para divulgar que era a primeira
equipe de Roraima a disputar esse campeonato voltado para as crianças. Fizemos o
convite para outras academias. Fomos em busca de patrocínios, alguns atletas
foram atrás dos vistos. Corremos em busca dos nossos objetivos - disse o pai.
O 'xadrez' para as lutas no Pan Kids
Eram sete adversários na chave de Enzo, que
teria que enfrentar três. Faltando uma semana para o início do campeonato,
Elton buscou na internet o perfil dos adversários. Na investigação,
descobriu que três de quatro deles já lutavam desde 2011. Tinham ritmo de competições.
- Deixei para inscrever Enzo no último dia para poder ver
como ficariam as chaves das lutas. Após verificar quem lutaria com quem, criei
uma possível estratégia com Enzo, com base nos vídeos dos outros
garotos.
Pódio no Pan Kids, no lugar mais alto o campeão Enzo Botinelly (Foto: Divulgação)
O
primeiro combate foi contra o
americano Gavin Young (Gracie Tampa South) finalizado com um mata-leão.
Na
segunda luta, o mexicano Nickolas Luna (Charles Gracie Academy) estava
ganhando
por 5x0, mas faltando 15 segundos para terminar o confronto, Enzo
reverte o placar derrubando e indo para as costas de Nickolas, vencendo
por 6x5.
O adversário da final era Justin Tyler, que havia vencido na semifinal um dos
favoritos ao título. Na luta, Enzo pegou um atraso de cinco pontos.
Consegue recuperar dando uma queda e depois pegar as costas. Todavia, ao fazer
um giro, o americano machuca o ombro.
- Faltavam trinta segundos para terminar
a luta. Eu e o Marcelo Caresto não parávamos de gritar 'Não larga ele!' Após a
desistência do americano, o juiz interrompe a luta. Foi uma das maiores emoções
da minha vida. Eu e Caresto começamos a chorar. Enzo cai no chão
emocionado. Você é um vencedor! Você superou muito para estar aqui! - explica o emocionado pai.
A mãe, Marcela Botinelly, acompanhou todo o trajeto do
filho, e diz que as medalhas simbolizam a vitória não só nos tatames,
mas na vida.
Enzo e Elton no pódio do Pan Kids,EUA(Foto: Divulgação)
- Agradeço a Deus, por me dar a oportunidade
de acompanhar o crescimento de Enzo no esporte, ele ama o Jiu-jitsu. Sempre
vou apoiá-lo, nos momentos bons e ruins.
Enzo Botinelly disse que queria muito participar da competição e fala da emoção de ter se tornado campeão.
-
Fiquei muito emocionado com a vitória. É um campeonato mundial que é
muito difícil. Quero treinar muito para ano que vem tentar mais uma medalha -
disse o campeão.
A família, assim que
chegou do tratamento inicial de Enzo, descobriu o
Instituto de Combate ao Câncer Infantil de Roraima (ICCI-RR). Lá, tornaram-se parceiros
auxiliando outras crianças e famílias que enfrentam o mesmo problema.
Um dos
possíveis significados do nome Enzo é 'poderoso' e/ou 'vitorioso'. Alguém duvida?
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